quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Quando a estética deixou de ser algo masculino?

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 Quando e como o conceito de masculinidade virou as costas para arte, design e beleza?

Texto original por Noah Brand

Há um tempo atrás, eu estava brincando com um daqueles questionários de piadas da internet, um que diagnosticava se o cara é "gay". Uma das perguntas era “O que você prefere, art nouveau ou art déco?” e foi seguido por "Pergunta capciosa: se você escolheu qualquer uma dessas, você é 'gay'".

Agora, ok, isso é meio engraçado, mas por que é engraçado? Por que associamos tão fortemente a ideia de ter um forte interesse pela estética ou pela arte a ser não-masculino? (“Não-masculino” é traduzido como “homossexual”, obviamente.) De onde vem esse estereótipo?

(E só para constar, tenho que escolher art déco, mas é uma decisão difícil.)

George Barbier, The Archer, 1914 - O Arqueiro - Male Nude - Nu Masculino - Male Art - Art Masculina - Gay Art - Arte Gay - Arte Homoerótica
O Arqueiro, de George Barbier (1914).
Barbier era um artista que navegava da art nouveau à art déco.
Historicamente, é claro, a maioria dos artistas e designers são homens. Não vamos entrar no sexismo por trás disso agora, mas esse é o caso. Em termos de pura representação de gênero, arte e estética são viris pra diacho. Durante séculos, na cultura europeia, deu-se como certo que um cavalheiro adequado, elegante e talentoso poderia compor poesia com a mesma facilidade com que lutava em um duelo ou dirigia um negócio. Em algum momento, isso mudou para piadas de “Oh, um poeta”. Isso parece uma transição estranha para mais alguém?

A resposta, penso eu, está em como a masculinidade passou a ser definida. A masculinidade, conforme foi codificada no que hoje consideramos machismo, tornou-se cada vez mais uma questão de exclusão, em vez de inclusão. À medida que as mulheres se tornaram uma parte mais visível da vida pública ao longo do século XIX, a afeminofobia surgiu como uma reação defensiva, e os papéis dos homens foram cada vez mais vistos como os estereótipos do homem das cavernas rude, duro, feio e fedorento que ainda vemos em anúncios e piadas baratas até hoje.

Por exemplo, vejamos a era vitoriana na história inglesa, da qual a cultura estadunidense continua a extrair muitas de suas imagens e suposições. Foi uma era de rápida modernização e imperialismo desenfreado, com o fetichismo militar que geralmente se encontra nos estados imperiais. Isso ajudou a lançar as bases para um século que começou com Coleridge, Lord Byron e Shelley e terminou com Kipling e W.S. Gilbert zombando de Oscar Wilde por ser um poeta insuficientemente macho, como na canção (reconhecidamente hilária) de Gilbert "Am I Alone and Unobserved?" ("Estou sozinho e não observado?") da peça teatral Patience:

Se você está ansioso para brilhar na alta linha estética como um homem de rara cultura,

Você deve colher todos os germes dos termos transcendentais e plantá-los em todos os lugares.

Você deve deitar sobre as margaridas e discursar em novas frases de seu complicado estado de espírito,

O significado não importa se é apenas conversa fiada de tipo transcendental.

E cada um dirá:

Ao trilhar seu caminho místico,

“Se este jovem se expressa em termos muito profundos para mim,

Ora, que jovem singularmente profundo deve ser esse jovem profundo!

Essa foi uma piada tão central para Patience que, antes do início da turnê estadunidense da peça, os produtores pagaram a Oscar Wilde para fazer uma turnê de palestras em todas as cidades onde Patience se apresentaria, apenas para garantir que as pessoas entendessem a piada. (Aliás, foi nessa turnê que Wilde quase definitivamente ficou com Walt Whitman. E agora sua vida é mais rica por saber disso.)

Durante grande parte do século XX, o código pisca-pisca-empurra-empurra para um homem "gay" era “decorador de interiores”; um trabalho cuja principal qualificação é o senso estético. A decoração de interiores não é criar novos tecidos, novas texturas, novas cores ou luzes ou arranjos, é encontrar a maneira de combinar esses elementos em uma composição harmoniosa e bonita. E isso foi o suficiente, por décadas, para marcar um cara como "homossexual", aqui entendido como uma abreviação de “desempenho insuficiente da masculinidade”.

A masculinidade tem sido, literalmente, definida como não ter ou ser capaz de ter um gosto decente.

Doríforo de Policleto - Doryphoros by Polykleitos of Argos - Male Nude - Nu Masculino - Male Art - Art Masculina - Gay Art - Arte Gay - Arte Homoerótica
Doríforo ("Lanceiro") de Policleto.
O nu masculino atlético é o ideal de beleza
da maior parte da história da Arte
Uma das coisas com as quais isso se relaciona, obviamente, é a ideia de que as mulheres são fisicamente atraentes e os homens não. Nossa cultura ligou tão intimamente a atratividade à feminilidade que “a beleza é um aluguel que você paga por ocupar um espaço marcado como feminino” é um conceito que precisa ser refutado. De acordo com a regra de ferro da Lei de Ozy¹, isso significa que se as mulheres são atraentes, esteticamente atraentes, os homens não podem ser.

Você só precisa pesquisar no Google a terrível palavra “metrossexual” para encontrar amplo reforço contemporâneo da ideia de que um homem que toma tempo ou cuida de sua aparência é algo menos do que um homem "heterossexual", algo que precisa de seu próprio conjunto de pavorosos neologismos (guyliner [delineador {eyeliner} para homens {guy, "cara, rapaz"}], manscaping [depilação masculina], etc.) para descrevê-lo. Vestir-se muito bem, arrumar-se muito bem é entendido como coisa de mulher e, portanto, algo que põe em questão a identidade de gênero de qualquer homem que ouse fazer mais do que se barbear e se pentear apressadamente.

A masculinidade, nos últimos dois séculos, perdeu a capacidade de se definir em seus próprios termos, definindo-se como “não feminilidade”. Esta é uma definição patética e limitante, e como a presença feminina em nossa sociedade se tornou, tardiamente, mais proeminente e poderosa, também a masculinidade se embrenhou em um canto cada vez mais estreito. Agora nos encontramos em uma posição em que devemos negar nosso próprio gosto, nosso próprio senso de beleza, arte e prazer estético, a fim de nos apegarmos ao minúsculo pedaço de território que ainda estamos marcando como masculino.

Isso é um absurdo. Isso é desnecessário. Vamos parar de fazer isso.

Fonte

Nota:

1. Proposta pelo sítio The Good Men Project, a Lei de Ozy diz: "É impossível formar um estereótipo sobre qualquer um dos dois gêneros primários [masculino e feminino] sem formar simultaneamente um estereótipo concorrente e complementar sobre o outro."

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