O termo androfilia tem sido usado por homens que não sentem que têm um lugar dentro do que consideram "cultura gay" ou "comunidade LGBT".
Nicolas Chinardet não gosta das palavras que a maioria das pessoas usa para descrever a sua sexualidade.
“Acho que ‘homossexual’ é um pouco clínico e muitas pessoas o usam de forma negativa”, diz ele. “'Gay' tem um certo estilo de vida associado a ele, no qual não me reconheço.”
Nicolas não se identifica com o que chama de “os clichês que você poderia associar à cena ‘gay’”. Ele é fotógrafo de boates, mas diz, a menos que esteja trabalhando: “Eu não vou a boates. Eu não gosto de fazer compras."
Assim, no início dos anos 2000, ele chegou a um termo alternativo para se descrever como um homem que acha outros homens sexualmente atraentes: “andrófilo”. [N/T: Na verdade isso é um equívoco, pois o termo 'andrófilo/androfilia' foi criado no início do século XX pelo médico e sexologista alemão Magnus Hirschfeld, ele mesmo um homem andrófilo, para nomear a atração de homens por outros homens adultos. Chinardet depois publicou uma resposta às distorções da entrevista com ele sobre o termo 'androfilia' e a corrigiu, dizendo que ele não criou o termo.]
Bandeira Andrófila |
Desde então, a palavra transformou-se num rótulo de escolha para alguns jovens 'gays' e 'bi', muitas vezes (mas não só) politicamente de direita, que se identificam com um novo tipo de sexualidade.
Em 2006, o polemista de extrema-direita Jack Donovan tomou a palavra como título de seu livro, que ele entitulou Androphilia: A Manifesto Rejecting the Gay Identity, Reclaiming Masculinity (“Androfilia, um Manifesto: Rejeitando a Identidade Gay, Reivindicando a Masculinidade”).
(Donovan, que se tornou um ícone para andrófilos em todo o mundo, não respondeu ao pedido para participar desta história.)
Mais recentemente, à medida que a “direita alternativa” se tornou mais visível, o termo andrófilo também se tornou. [N/T: "Direita alternativa", ou alt-right no original em inglês, é um movimento de extrema direita de nacionalistas brancos dos EUA.]
Uma geração de jovens que se sentem atraídos por homens — mas que evitam a política liberal e ativista que acreditam estar associada ao movimento de liberação 'gay' — escolheu-o para se descreverem.
É um rótulo usado exclusivamente por homens, sem nenhum equivalente real para mulheres 'gays'.
Frente de Liberação Gay |
Mesmo essa palavra (homossexual) só passou a ser de uso comum no final do século XIX, quando sexólogos como Havelock Ellis argumentaram que o desejo pelo mesmo sexo era apenas outra identidade sexual (algo que você é) em vez de — como era então percebido — um ato pecaminoso e criminoso de sodomia (algo que você faz).
"A identidade sexual nunca tem realmente a ver com biologia ou gênero; muitas vezes é mais uma questão de ideologia."
James Downs
'Gay' ganhou popularidade depois que o ativista Frank Kameny criou a frase de efeito "gay is good" ("gay é bom") em 1968. O movimento de liberação 'gay' então reivindicou essa palavra de 70 anos para criar uma identidade e uma linguagem novas e positivas para a atração pelo mesmo sexo.
“A identidade sexual nunca tem realmente a ver com biologia ou gênero; muitas vezes tem mais a ver com ideologia”, explica James Downs, autor de Stand By Me: The Forgotten History of Gay Liberation.
“Em muitos aspectos, [as palavras que as pessoas usam para descrever a sua] identidade sexual muitas vezes nos dizem mais sobre um determinado momento e lugar do que sobre comportamento.”O movimento de liberação 'gay' teve a sua gênese na esquerda política, diz Downs. Foi uma época em que sair do armário exigia uma força tremenda.
Não foi apenas um ato de rebelião contra os costumes conservadores – foi uma luta pela igualdade. Mas com a sociedade [ocidental] a aceitar agora mais a homossexualidade (embora haja, claro, muitos que ainda enfrentam perseguição e violência por causa da sua sexualidade), formou-se um novo movimento dissidente.
“Acho que o que você está vendo neste novo termo, androfilia, é uma rejeição da esquerda”, acrescenta Downs.
“Eles não querem se identificar com a política de esquerda e, por isso, querem um termo que não tenha essa bagagem política.”
Henning Diesel |
“'Gay' faz parte do mundo 'LGBT+' do qual nunca me considero parte.”
Henning Diesel
Henning Diesel, um autodenominado andrófilo e libertário de direita que vive perto de Hamburgo, na Alemanha, também rejeita a palavra “gay”. “'Gay' faz parte do mundo LGBT+ do qual nunca me considero parte”, ele me diz.
Embora alguns possam considerar suas opiniões sobre a 'cultura gay' desatualizadas, para Henning há problemas muito reais com o termo. Ele explica que não se identifica com o que chama de “música 'gay', como Lady Gaga, Ariana Grande e Miley Cyrus” e “TV e filmes 'gays', como Queer As Folk”.
Henning admite ser “meio que associado à direita alternativa” e compartilha regularmente memes da direita alternativa, bem como vídeos e tweets criados por figuras do movimento da direita alternativa.
“Minha orientação sexual é homossexual”, explica o homem de 37 anos. Ele descreve sua personalidade como tendo “características tipicamente masculinas como coragem ou diligência – aspectos muito tradicionais”.
“Também inclui violência”, acrescenta, explicando que tem admiração por passatempos militaristas e tradicionalmente “de macho”.
Como a maioria dos alienados da extrema-direita, ele chama o movimento 'LGBTQ+' de “defesa do socialismo” devido às suas raízes na política de esquerda. Ser 'gay' não significa que você automaticamente “se inscreve no movimento 'gay'”, diz ele.
James Milton |
“Estou ciente de que Jack Donovan subscreve o movimento político de direita alternativa. Eu me oponho a isso, mas não acho que isso invalide a sua representação da cultura 'gay'.”
James Milton
No entanto, muitos não estão satisfeitos com o fato de o termo estar sendo usado por membros da direita alternativa. [N/T: Lembremos que o termo foi cunhado por Magnus Hirschfeld no início do século XX, não tendo nada a ver com a atual polarização política que acontece em países como EUA e Brasil e na Europa.]
James Milton, um estudante de 24 anos de Chicago (EUA), encontrou o termo “andrófilo” nos escritos de Jack Donovan há seis anos [N/T: esta matéria foi publicada em outubro de 2017], quando ele era um jovem angustiado de 18 anos que procurava um lugar na cultura 'gay'.
“Isso afirmou minha suspeita de que eu não era 'gay' – apenas um homem que por acaso dorme com outros homens”, Milton me disse.
Ele se sentia “na periferia da cultura 'gay' porque não me identificava com a identidade 'gay' pré-determinada”. Fã de música country, ele diz que era ridicularizado pelos bartenders de bares 'gays' quando escolhia músicas de que gostava.James também é fã de luta livre e artes marciais mistas (MMA) – um interesse que ele acredita ter feito com que ele fosse excluído de situações sociais com homens 'gays'.
“Esse tipo de experiência me levou ao rótulo de 'andrófilo'”, diz ele.
James é um afro-americano que se identifica como um centrista político. “Estou ciente de que Donovan e muitos de seus seguidores andrófilos subscrevem o movimento político de direita alternativa”, diz ele. “Eu me oponho a isso, mas não acho que isso invalide a sua representação da cultura 'gay'.”
Quanto a Nicolas Chinardet, que começou a descrever-se como andrófilo no início dos anos 2000 como uma rejeição aos estereótipos 'gays', ele diz: “Acho que vou ter de rever a minha descrição”.
Com a androfilia agora cooptada pela direita alternativa, ele não se sente mais confortável com isso.
“Não quero ter absolutamente nada a ver com essas pessoas”, diz ele. Ele está em busca de um novo termo.
Fonte: BBC (com correções minhas).
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