quarta-feira, 4 de outubro de 2023

"Eu não sou gay, sou andrófilo"

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 O termo androfilia tem sido usado por homens que não sentem que têm um lugar dentro do que consideram "cultura gay" ou "comunidade LGBT+".

Nicolas Chinardet não gosta das palavras que a maioria das pessoas usa para descrever a sua sexualidade.

“Acho que ‘homossexual’ é um pouco clínico e muitas pessoas o usam de forma negativa”, diz ele. “'Gay' tem um certo estilo de vida associado a ele, no qual não me reconheço.”

Nicolas não se identifica com o que chama de “os clichês que você poderia associar à cena ‘gay’”. Ele é fotógrafo de boates, mas diz, a menos que esteja trabalhando: “Eu não vou a boates. Eu não gosto de fazer compras."

Assim, no início dos anos 2000, ele chegou a um termo alternativo para se descrever como um homem que acha outros homens sexualmente atraentes: “andrófilo”. [N/T: Na verdade isso é um equívoco, pois o termo 'andrófilo/androfilia' foi criado no início do século XX pelo médico e sexologista alemão Magnus Hirschfeld, ele mesmo um homem andrófilo, para nomear a atração de homens por outros homens adultos. Chinardet depois publicou uma resposta às distorções da entrevista com ele sobre o termo 'androfilia' e a corrigiu, dizendo que ele não criou o termo.]

Androphilia Flag, Bandeira Androfilia
Bandeira Andrófila
“Inventei isso com base no meu vago conhecimento de grego”, ele me conta. “Juntar duas partes” – o prefixo 'andro', que significa homem, e 'phile', denotando amor por algo – “para chegar a andrófilo”.

Desde então, a palavra transformou-se num rótulo de escolha para alguns jovens 'gays' e 'bi', muitas vezes (mas não só) politicamente de direita, que se identificam com um novo tipo de sexualidade.

Em 2006, o polemista de extrema-direita Jack Donovan tomou a palavra como título de seu livro, que ele entitulou Androphilia: A Manifesto Rejecting the Gay Identity, Reclaiming Masculinity (“Androfilia, um Manifesto: Rejeitando a Identidade Gay, Reivindicando a Masculinidade”).

(Donovan, que se tornou um ícone para andrófilos em todo o mundo, não respondeu ao pedido para participar desta história.)

Mais recentemente, à medida que a “direita alternativa” se tornou mais visível, o termo andrófilo também se tornou. [N/T: "Direita alternativa", ou alt-right no original em inglês, é um movimento de extrema direita de nacionalistas brancos dos EUA.]

Uma geração de jovens que se sentem atraídos por homens — mas que evitam a política liberal e activista que acreditam estar associada ao movimento de liberação 'gay' — escolheu-o para se descreverem.

É um rótulo usado exclusivamente por homens, sem nenhum equivalente real para mulheres 'gays'.

Gay Liberation Front, Frente de Liberação Gay
Frente de Liberação Gay
O revigoramento do termo pode parecer intrigante, mas não deveria ser. Afinal, a palavra “gay” foi popularizada na década de 1970, cerca de sete décadas depois de ter sido cunhada pela primeira vez como um termo menos crítico e menos clínico do que “homossexual”.

Mesmo essa palavra (homossexual) só passou a ser de uso comum no final do século XIX, quando sexólogos como Havelock Ellis argumentaram que o desejo pelo mesmo sexo era apenas outra identidade sexual (algo que você é) em vez de — como era então percebido — um ato pecaminoso e criminoso de sodomia (algo que você faz).

"A identidade sexual nunca tem realmente a ver com biologia ou gênero; muitas vezes é mais uma questão de ideologia."

James Downs

'Gay' ganhou popularidade depois que o ativista Frank Kameny criou a frase de efeito 'gay is good' ('gay é bom') em 1968. O movimento de liberação 'gay' então reivindicou essa palavra de 70 anos para criar uma identidade e uma linguagem novas e positivas para a atração pelo mesmo sexo.

“A identidade sexual nunca tem realmente a ver com biologia ou gênero; muitas vezes tem mais a ver com ideologia”, explica James Downs, autor de Stand By Me: The Forgotten History of Gay Liberation.

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“Em muitos aspectos, [as palavras que as pessoas usam para descrever a sua] identidade sexual muitas vezes nos dizem mais sobre um determinado momento e lugar do que sobre comportamento.”

O movimento de liberação 'gay' teve a sua gênese na esquerda política, diz Downs. Foi uma época em que sair do armário exigia uma força tremenda.

Não foi apenas um ato de rebelião contra os costumes conservadores – foi uma luta pela igualdade. Mas com a sociedade [ocidental] a aceitar agora mais a homossexualidade (embora haja, claro, muitos que ainda enfrentam perseguição e violência por causa da sua sexualidade), formou-se um novo movimento dissidente.

“Acho que o que você está vendo neste novo termo, androfilia, é uma rejeição da esquerda”, acrescenta Downs.

“Eles não querem se identificar com a política de esquerda e, por isso, querem um termo que não tenha essa bagagem política.”

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Henning Diesel

“'Gay' faz parte do mundo 'LGBT+' do qual nunca me considero parte.”

Henning Diesel

Henning Diesel, um autodenominado andrófilo e libertário de direita que vive perto de Hamburgo, na Alemanha, também rejeita a palavra “gay”. “'Gay' faz parte do mundo LGBT+ do qual nunca me considero parte”, ele me diz.

Embora alguns possam considerar suas opiniões sobre a 'cultura gay' desatualizadas, para Henning há problemas muito reais com o termo. Ele explica que não se identifica com o que chama de “música 'gay', como Lady Gaga, Ariana Grande e Miley Cyrus” e “TV e filmes 'gays', como Queer As Folk”.

Henning admite ser “meio que associado à direita alternativa” e compartilha regularmente memes da direita alternativa, bem como vídeos e tweets criados por figuras do movimento da direita alternativa.

“Minha orientação sexual é homossexual”, explica o homem de 37 anos. Ele descreve sua personalidade como tendo “características tipicamente masculinas como coragem ou diligência – aspectos muito tradicionais”.

“Também inclui violência”, acrescenta, explicando que tem admiração por passatempos militaristas e tradicionalmente “de macho”.

Como a maioria dos alienados da extrema-direita, ele chama o movimento 'LGBTQ+' de “defesa do socialismo” devido às suas raízes na política de esquerda. Ser 'gay' não significa que você automaticamente “se inscreve no movimento 'gay'”, diz ele.

James Milton

“Estou ciente de que Jack Donovan subscreve o movimento político de direita alternativa. Eu me oponho a isso, mas não acho que isso invalide a sua representação da cultura 'gay'.”

James Milton

No entanto, muitos não estão satisfeitos com o facto de o termo estar sendo usado por membros da direita alternativa. [N/T: Lembremos que o termo foi cunhado por Magnus Hirschfeld no início do século XX, não tendo nada a ver com a atual polarização política que acontece em países como EUA e Brasil.]

James Milton, um estudante de 24 anos de Chicago (EUA), encontrou o termo “andrófilo” nos escritos de Jack Donovan há seis anos [N/T: esta matéria foi publicada em outubro de 2017], quando ele era um jovem angustiado de 18 anos que procurava um lugar na cultura 'gay'.

“Isso afirmou minha suspeita de que eu não era 'gay' – apenas um homem que por acaso dorme com outros homens”, Milton me disse.

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Ele se sentia “na periferia da cultura 'gay' porque não me identificava com a identidade 'gay' pré-determinada”. Fã de música country, ele diz que era ridicularizado pelos bartenders de bares 'gays' quando escolhia músicas de que gostava.

James também é fã de luta livre e artes marciais mistas (MMA) – um interesse que ele acredita ter feito com que ele fosse excluído de situações sociais com homens 'gays'.

“Esse tipo de experiência me levou ao rótulo de 'andrófilo'”, diz ele.

James é um afro-americano que se identifica como um centrista político. “Estou ciente de que Donovan e muitos de seus seguidores andrófilos subscrevem o movimento político de direita alternativa”, diz ele. “Eu me oponho a isso, mas não acho que isso invalide a sua representação da cultura 'gay'.”

Quanto a Nicolas Chinardet, que começou a descrever-se como andrófilo no início dos anos 2000 como uma rejeição aos estereótipos 'gays', ele diz: “Acho que vou ter de rever a minha descrição”.

Com a androfilia agora cooptada pela direita alternativa, ele não se sente mais confortável com isso.

“Não quero absolutamente nada ter a ver com essas pessoas”, diz ele. Ele está em busca de um novo termo.

Fonte: BBC (com correções minhas).


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