Muitos homens fazem sexo com outros homens, mas não se identificam como "gays" ou "bissexuais".
Um subconjunto desses homens que fazem sexo com homens, ou HSH, vivem vidas que são, em todos os aspectos, exceto seus encontros homossexuais ocasionais, bastante heterossexuais e tradicionalmente masculinas — eles têm esposas e famílias, abraçam várias normas masculinas e assim por diante. Eles são capazes de, com efeito, compartimentar um aspecto de suas vidas sexuais de uma forma que impede que ele se confunda ou complique suas identidades mais públicas. Os sociólogos estão bastante interessados neste fenômeno porque ele pode nos dizer muito sobre como os seres humanos interpretam questões espinhosas de identidade, desejo sexual e expectativas culturais.
Em 2015, a NYU Press publicou o fascinante livro Not Gay: Sex Between Straight White Men ("Não é Gay: Sexo Entre Homens Brancos Héteros", numa tradução livre), da professora de gênero e sexualidade da Universidade da Califórnia, Jane Ward. Nele, Ward explorou várias subculturas nas quais o que poderia ser chamado de "sexo homossexual hétero" abunda — não apenas naquelas que você esperaria, como as forças armadas e fraternidades, mas também gangues de motoqueiros e bairros suburbanos conservadores — para entender melhor como os participantes desses encontros vivenciavam e explicavam suas atrações, identidades e os encontros em si. Mas nem todos os HSH héteros receberam o mesmo nível de atenção de pesquisa. Um grupo relativamente negligenciado, argumenta o estudante de doutorado em sociologia da Universidade do Oregon, Tony Silva, em um artigo de 2016 na Gender & Society, são os homens rurais, brancos e héteros (bem, negligenciados se você deixar de lado Brokeback Mountain).Silva procurou descobrir mais sobre esses homens, então ele recrutou 19 de quadros de encontros casuais de homens para homens na Craigslist e os entrevistou, por cerca de uma hora e meia cada, sobre seus hábitos sexuais, vidas e sensos de identidade. Todos eram de áreas rurais dos Estados Unidos, em estados como do Missouri, Illinois, Oregon, Washington ou Idaho, lugares conhecidos por seu "conservadorismo social e populações predominantemente brancas". A amostra se inclinou um pouco para o lado mais velho, com 14 dos 19 homens na faixa dos 50 anos ou mais, e a maioria se identificou como exclusivamente ou principalmente hétero, com algumas respostas na linha de "hétero, mas bi, mas mais hétero".
Como este é um estudo qualitativo e não quantitativo, é importante reconhecer que os homens em particular recrutados por Silva não eram necessariamente representativos de, bem, nada. Esses eram apenas os caras que concordaram em participar de um projeto de pesquisa acadêmica depois de verem um anúncio dele na Craigslist. Mas o objetivo do projeto de Silva era menos tirar conclusões abrangentes sobre esse subconjunto de HSH héteros ou a população como um todo, do que ouvir suas histórias e compará-las às narrativas descobertas por Ward e vários outros pesquisadores.
Especificamente, Silva estava tentando entender melhor a interação entre “masculinidade rural normativa” — o conjunto de costumes e normas que define o que significa ser um homem rural — e os encontros sexuais desses homens. Ao fazer isso, ele introduz um conceito realmente interessante e cativante, “bud-sex”¹:
Ward (2015) examina o dudesex¹, um tipo de sexo entre homens que homens brancos, masculinos e heterossexuais em contextos urbanos ou militares enquadram como uma forma de se relacionar e construir masculinidade com outros "bros" semelhantes. Carrillo e Hoffman (2016) se referem aos seus participantes principalmente urbanos como heteroflexíveis, dado que eles eram exclusivamente ou principalmente atraídos por mulheres. Embora os participantes deste estudo compartilhem sobreposição com esses grupos, eles também enquadram seu sexo do mesmo sexo de maneiras sutilmente diferentes: não como uma oportunidade de se relacionar com "bros" urbanos, e apenas às vezes — mas não sempre — como uma nova busca sexual, dado que eles tinham atrações sexuais em todo o espectro. Em vez disso, como Silva explora, os participantes reforçavam sua heterossexualidade por meio de interpretações não convencionais do sexo entre homens: como "ajudar um amigo", aliviar "impulsos", resolver desejos sexuais por homens sem atrações sexuais por eles, aliviar necessidades sexuais gerais e/ou uma forma de resolver atrações sexuais. “Bud-sex” captura essas interpretações, bem como a forma como os participantes faziam sexo e com quem faziam parcerias. O tipo específico de sexo que os participantes faziam com outros homens — bud-sex — consolidava sua masculinidade rural e heterossexualidade, e os distingue de outros HSH.Essa ideia de sexo homossexual consolidando a heterossexualidade e a masculinidade rural tradicional certamente parece contraintuitiva, mas faz um pouco de sentido quando você lê algumas das descobertas específicas das entrevistas de Silva. A coisa mais importante a ter em mente aqui é que a é “central para a autocompreensão dos homens”. Citando outro pesquisador, Silva observa que a masculinidade rural orienta seus “pensamentos, gostos e práticas. Ela fornece a eles seu senso fundamental de si; estrutura como eles entendem o mundo ao seu redor; e influencia como eles codificam a semelhança e a diferença”. Como acontece com quase todos os HSH héteros, há uma tensão em ação: como esses homens podem fazer o que estão fazendo sem que isso ameace partes de sua identidade que parecem vitais para quem eles são?
Em algumas das subculturas estudadas por Ward, os HSH héteros eram capazes de reinterpretar a identidade homossexual como, na verdade, fortalecendo suas identidades heterossexuais. Assim foi com os sujeitos de Silva também — eles encontravam maneiras de lançar suas relações homossexuais como uma reafirmação de sua masculinidade rural. Uma maneira de fazer isso era buscando parceiros que fossem semelhantes a eles. "Este é um elemento-chave do bud-sex", escreve Silva. "A parceria com outros homens igualmente privilegiados em vários eixos de intersecção — gênero, raça e identidade sexual — permitia que os participantes normalizassem e autenticassem suas experiências sexuais como normativamente masculinas." Em outras palavras: se você, um cara hétero do interior, de vez em quando faz sexo com outros caras héteros do interior, isso não ameaça sua identidade hétero e rural tanto quanto ameaçaria se, por exemplo, você viajasse para a área metropolitana mais próxima e tentasse pegar caras em um bar 'gay'. Você não é o tipo de homem que iria a um bar 'gay' — você não é 'gay'!
É difícil aqui não cair na velha piada do ensino médio de "Não é 'gay' se..." — "Não é 'gay'" se os olhos estiverem fechados, ou as luzes estiverem apagadas, ou vocês forem melhores amigos — mas era isso que os homens no estudo de Silva faziam, em certo sentido:Como Cain [um dos entrevistados] disse, "Eu realmente não sou atraído pelo que eu consideraria tipos de viados realmente efeminados", mas ele "gosta do cara de aparência masculina que talvez seja mais bi". Da mesma forma, Matt (60 anos) explicou, "Se são muito extravagantes, eles simplesmente me brocham", e Jack observou, "Feminilidade em um homem é brochante". Ryan (60 anos) explicou, "Eu não me sinto confortável perto de efeminados" e "masculinidade é o que me atrai", enquanto David compartilhou que "caras efeminados não me dizem nada, na verdade, eu não ligo para eles". Jon compartilhou, "Eu realmente não gosto de bichas rebolantes". Mike (50 anos) disse de forma semelhante, "Eu não quero os efeminados, eu quero os caras másculos... Se eu quisesse alguém que agisse como uma menina, eu tenho uma esposa em casa". Jeff (38 anos) prefere a masculinidade porque “acho que percebo que os homens que são femininos querem sair… ter companhia e fazer com que dure duas ou três horas”.
Em outras palavras: Não é 'gay' se o cara com quem você está fazendo sexo não parece 'gay' de jeito nenhum. Ou considere as preferências de Marcus, outro dos entrevistados de Silva:
Um cara que eu consideraria mais parecido comigo, que recebe boquetes de caras de vez em quando, não faz isso todo dia. Eu sei que tem muitos caras por aí que são como eu... eles são caras másculos, e fazem coisas másculas, e só acontece de fazer sexo oral com homens de vez em quando [risos]. Então, é por isso que eu meio que prefiro esse tipo de cara... [Também] parece que... caras mais masculinos não me assediariam, eu acho, não me perseguiriam o tempo todo, ou me enviariam 1000 e-mails, "Ei, você quer se encontrar hoje... Oi, que tal agora?" E há um pensamento na minha cabeça de que um cara mais feminino ou 'gay' gostaria que eu aparecesse mais. [...] Caras héteros, acho que me identifico mais com eles porque é meio que, como eu me sinto. E caras bi, da mesma forma. Podemos falar sobre mulheres, houve momentos em que assistimos pornô hétero, antes de começarmos ou sei lá, então eu meio que prefiro isso. [E] porque não me sinto atraído, é muito desagradável quando alguém age de forma 'gay', e eu sinto que muitos 'gays' meio que passam essa 'vibe gay', vou chamar assim, eu acho, e isso é muito desagradável para mim.
Isso, claro, é similar à maneira como muitos homens héteros falam sobre mulheres — é legal tê-las por perto e é (claro) ótimo fazer sexo com elas, mas elas são tão pegajosas. No geral, é mais divertido ficar perto de caras másculos que compartilham suas preferências e vocabulário de hétero, e que são menos exigentes emocionalmente.
Uma maneira de interpretar isso é como uma atitude defensiva, é claro — esses homens não são realmente héteros, mas se identificam dessa forma por uma série de razões, incluindo "heterossexismo internalizado, participação em casamento e criação de filhos com pessoas do outro sexo [o que pode ser complicado se eles se assumirem bi ou 'gays'], e o desfrute do privilégio e da cultura hétero", escreve Silva. Depois que o livro de Jane Ward foi lançado em 2015, Rich Juzwiak fez uma crítica no Gawker: Embora Ward tenha evitado a questão das orientações sexuais "reais" de seus sujeitos — "Não estou preocupada se os homens que descrevo neste livro são 'realmente' héteros ou 'gays'", ela escreveu — isso deveria importar. Como Juzwiak colocou: “Dados os incentivos culturais que permanecem para um 'gay' aparentemente hétero, dado o longo caminho para a autoaceitação que faz com que muitos se sintam incapazes ou temerosos de responder honestamente a perguntas sobre identidade — o que sem dúvida alteraria os dados frequentemente vagos que fornecem a base para os argumentos de Ward — parece que alguém deveria se importar com o amplo abismo entre o que os homens afirmam ser e o que eles realmente são.” Em outras palavras, Ward evitou um importante campo minado político e de direitos ao levar as alegações de seus sujeitos sobre sua sexualidade mais ou menos ao pé da letra.Certamente há algumas boas razões para sociólogos e outros não examinarem as alegações dos indivíduos sobre suas identidades de forma muito crítica. Mas ainda assim: a crítica de Juzwiak é importante e aparece em grande destaque no contexto de um segmento específico do artigo de Silva. Na verdade, descobriu-se que alguns dos sujeitos de Silva realmente não eram tão opostos a um certo nível de envolvimento mais profundo com seus amigos sexuais, pelo menos quando se tratava dos "regulares" ou dos homens com quem eles se relacionavam habitualmente:
Embora os relacionamentos com [parceiros] regulares fossem livres de romance e laços emocionais profundos, eles não eram necessariamente desprovidos de sentimento; os participantes gostavam dos regulares por vários motivos: conveniência, conforto, compatibilidade sexual ou até mesmo amizade. Pat descreveu um encontro típico com seu regular: "Conversamos por uma hora ou mais, tomando café... depois vamos fazer um boquete e depois cada um segue seu caminho." Da mesma forma, Richard observou: "Sexo é uma parte muito pequena do nosso relacionamento. É mais amigos, discutimos política... todo tipo de merda." Da mesma forma, com vários de seus regulares, Billy observou: "Eu faço viagens de carro, bebo cerveja, vou até a cidade [para] olhar garotas, saio para comer, jogo sinuca, tenho um amigo com quem faço caminhadas. Normalmente isso leva ao sexo, mas saímos e fazemos outras atividades além de nos encontrarmos e nos chuparmos." Embora Kevin tenha notado que seu relacionamento regular "não tem nenhuma conexão emocional", ele também tem uma qualidade de amizade, como evidenciado por visitas ocasionais e pernoites, apesar dos cerca de 160 quilômetros de distância. Da mesma forma, David observou: “Se minha esposa sai num fim de semana... vou para a casa dele e passo uma ou duas noites com ele... obviamente fazemos outras coisas além de sexo, então sim, vamos jantar, sair e fazer compras, coisas assim.” Jack explicou que com seu regular “nós nos conectamos na Craigslist... [e] nos tornamos bons amigos, além de fazer sexo... nós apenas fizemos uma conexão... Mas não havia amor algum.” Assim, o bud-sex é baseado na rejeição do apego romântico e dos laços emocionais profundos, mas não de toda emoção.Seja lá o que mais esteja acontecendo aqui, claramente esses homens estão obtendo alguma companhia desses relacionamentos. Não se trata apenas de sexo se você faz questão de tomar um café, e especialmente se vocês passam noites juntos, vão às compras ou saem para jantar, e assim por diante. Mas há incentivos fortes para que eles não tomem essa atitude de se identificar, ou se identificarem completamente, como 'gays' ou bi. Em vez disso, eles enquadram seu bud-sex, mesmo quando acompanhado de outras formas de intimidade, de uma forma que reforça sua masculinidade rural e hétero.
É importante notar que esta não é uma decisão racional onde os homens se sentam, listam os prós e contras e dizem: "Bem, acho que me assumir não vai maximizar minha felicidade e bem-estar". É mais sutil do que isso, dada a maneira como todos nós absorvemos normas e costumes sociais por osmose. Com toda a probabilidade, quando os sujeitos de Silva dizem que são héteros, eles estão sendo sinceros: é assim que eles se sentem. Mas é difícil não ter a sensação de que talvez alguns deles seriam mais felizes, ou teriam tomado decisões de vida diferentes, se tivessem tido acesso a um vocabulário diferente e menos restrito para descrever o que eles querem — e quem eles são.
Fonte
1. Bud-sex ("sexo entre parças": sexo entre homens "héteros" que se consideram amigos) ou dude-sex ("sexo entre caras": sexo entre homens héteros em geral) podem ser mais ou menos traduzidos para o português como "broderagem" (sexo entre homens [amigos] que não se consideram homossexuais), embora broderagem tenha um pouco mais a ver com bud-sex, já que a palavra deriva do inglês brother, "irmão" (aqui com sentido de "amigo íntimo").
Se você gostou deste artigo, por favor deixe um comentário abaixo e/ou compartilhe, e considere seguir o blog (clicando no botão "Seguir" ou "Follow" à direita da página em "SEGUIDORES").
Nenhum comentário:
Postar um comentário